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História do hospital António Lopes - A afirmação da Misericórdia
22 outubro 2018
Categoria: SCMPL

História do hospital António Lopes - A afirmação da Misericórdia

Por José Abílio Coelho - Historiador. Coordenador do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso


1. O hospital e a Misericórdia

Tendo António Lopes falecido em 22 de dezembro de 1927, os testamenteiros decidiram criar uma Misericórdia para assegurar a gestão do hospital por aquele legado à Póvoa de Lanhoso. A irmandade foi, como se disse já, legalmente fundada por um conjunto de 18 Irmãos, no último dia de 1928 – vai fazer noventa anos em 31 de dezembro próximo – através de alvará do então governador civil de Braga que, na mesma data, legalizou também os primeiros estatutos da Santa Casa.

Arlindo António Lopes foi feito provedor por vontade desse conjunto de Irmãos fundadores em sessão de 7 de dezembro de 1929. Consigo constituíam a primeira Mesa Administrativa Armando Queirós (secretário, comerciante), Álvaro Ferreira Guimarães (tesoureiro, comerciante), Manuel José de Sá (reformado como chefe de secretaria da câmara), António dos Santos Queiroga (comerciante), José Cândido Sampaio Rebelo (ajudante de notário) e José Luís da Silva Júnior (advogado e notário).

Na primeira votação, ainda chegaram a ser eleitos Francisco Antunes de Oliveira Guimarães e João Albino de Carvalho Bastos, mas logo foram substituídos pelos suplentes José Cândido Sampaio Rebelo e Dr. José Luís da Silva Júnior, dado os primeiros serem genro e cunhado, respetivamente, do provedor Arlindo Lopes, o que os estatutos não permitiam, já que “os pais e os filhos, os irmãos ou afins nos mesmos graus (…)” não podiam ser membros do mesmo órgão (art.º 26º).

O hospital, que desde a morte de António Lopes, um ano antes, tinha mantido o seu funcionamento nos moldes que o fundador lhe imprimira, continuou, eleita a Mesa, a desempenhar o mesmo papel. Como a herança demorou ainda alguns anos efetivar-se, dado existir uma divergência entre a maioria dos herdeiros quanto ao valor dos pagamentos, isto é, discutiram em tribunal se os valores legados deviam ser pagos ao câmbio da data da morte de António Lopes se ao da data em que o testamento ia ser cumprido, houve necessidade de alguns avanços de capital para pagamentos das despesas. O problema na partilha era discutido sobretudo pela câmara municipal, que tinha sido herdeira de várias centenas de contos de réis. Ora, o câmbio do escudo tinha caído muito logo após o falecimento do benemérito, e os herdeiros do remanescente não queriam pagar ao preço da data do falecimento, mas ao da data da sentença. O tribunal acabou por dar razão ao município e, aí, começaram os desentendimentos surdos (pelo menos nesta altura) entre Arlindo Lopes (um dos herdeiros do remanescente) e outros membros da Santa Casa.

Cumpriu a missão de ir concedendo adiantamentos por conta, enquanto a herança não fosse decidida – e por isso foi votado como primeiro Irmão Honorário da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso – o primeiro testamenteiro, engenheiro Madaíl Lopes Monteiro, um dos grandes amigos do nosso benemérito.

Mas o hospital, apesar dessa demora na chegada do que era seu, possuía bens, nomeadamente títulos a juro, que andavam pelos 2.500 contos de réis, capazes de com os rendimentos cobrirem com sobejo as despesas de funcionamento. Pelo menos nestes primeiros anos, pois, chegada a segunda grande guerra e a desvalorização da moeda brasileira, que se lhe seguiu, a coisa iria mudar de figura. É que parte significativa dos títulos estava a render em bancos brasileiros… e nessa altura o Brasil estava muito longe.

 

2. O diretor do HAL

A maior mudança prática aconteceu com a aprovação, em reunião de mesa, de um regulamento do hospital. Até então, a unidade de saúde tinha um diretor administrativo profissional, que era João Albino de Carvalho Bastos. Sobrinho por afinidade do fundador, tinha sido o principal responsável pelas obras de construção e equipamento da casa, sob as ordens do benemérito, e, posteriormente, fora seu diretor durante dez anos. Com a morte de António Lopes, a esposa de João Bastos recebeu uma boa herança, deixando ele de precisar do conto de réis que recebia de ordenado pela sua direção. Assim, pelo novo regulamento, o provedor era também, simultaneamente, o diretor do hospital. A unidade de saúde tinha um diretor clínico que era o responsável pela parte médica, mas todas as decisões, desde as que imperavam nas compras às que presidiam aos internamentos, passaram a obrigar à decisão final de Arlindo António Lopes. 3. Grandes divisões

Pouco depois da fundação, começaram as guerras na Misericórdia. A primeira delas aconteceu com alguns “velho republicanos” povoense que, de fora ou de dentro, quiseram dominar a instituição. Portugal estava já mergulhado na Ditadura Militar (desde maio de 1926) e as más-relações entre políticos locais (que no período final da I república estiveram em banho-maria), começavam a surgir.

De um lado, estavam o médico Pinto Bastos que, alguns anos antes, tinha sido afastado por António Lopes por permitir sessões de espiritismo dentro do hospital, tendo consigo o também médico, Dr. Custódio Silva. Ambos eram médicos formidáveis, muito humanos, especialmente o Dr. Custódio, que atendia os pobres sem lhes cobrar pela consulta e às vezes ainda lhes dava os medicamentos. Do outro, estavam os familiares de António Lopes e a maior parte dos Irmãos fundadores. O fundo da divergência eram, contudo, guerras políticas que vinham do passado, não com Arlindo Lopes ou os outros irmãos, mas especialmente com o Dr. Adriano Martins, à época diretor-clínico do hospital.

Natural de Arrifana, Fontarcada, o Dr. Adriano Martins tinha sido o primeiro presidente da câmara e primeiro administrador do concelho depois da implantação da República, em 1910. Desde então ocupou, durante quase década e meia, os mais altos cargos ao nível do município, sendo também o representante local do partido de Afonso Costa, que tinha a hegemonia política no país. Porém, Adriano Martins tinha-se desgostado da situação em que a República afundara o país nos últimos anos e deixara de alinhar com os republicanos mais radicais. Reflita-se nos acontecimentos de 1921, em que vários políticos nacionais foram assassinados a sangue frio, bem como na rebaldaria em que a política partidária se transformara, como governos a tomarem posse e a caíram à primeira tremedeira. Governar Portugal tinha-se tornado uma tarefa insustentável, sempre com os cidadãos a sofrerem.

Ora, quando Adriano Martins se afastou dessa conduta política, teve contra si alguns republicanos radicais povoenses. Na carta que fizeram publicar, seguida de respostas e contrarrespostas, a sua entrega ao hospital era colocada em causa, bem como o salário que recebia.

A divergência terminou com o despedimento do Dr. Custódio, depois de ter corrido um processo administrativo levado a cabo pelo governo civil. Mas as guerras iniciais não terminaram aqui, como veremos em próximos artigos.

Galeria de Imagens:

Fotos 1 – Arlindo António Lopes, primeiro provedor da Misericórdia povoense

Foto 2 – Dr. Adriano Martins. Foi diretor clínico do hospital e, como médico, primeiro alvo das guerras políticas na Póvoa de Lanhoso dos finais da I República. Na foto com a esposa, a professor D. Branca, e os dois filhos mais velhos.

Por José Abílio Coelho

 

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