Por José Abílio Coelho*
QUADRO DE PESSOAL E CUSTOS
1. Médicos, enfermeiros e outro pessoal
Quando o Hospital foi inaugurado, em 1917, António Lopes dotou-o de um quadro de pessoal indispensável ao seu bom funcionamento, cujas custos pagava do seu bolso.
O Dr. Lino António Vieira, facultativo do Partido da câmara e subdelegado de saúde deste 1897, conselheiro do benemérito, desde 1910, para que o hospital tivesse as condições de modernidade construtiva desejadas e que estava destinado a ser, naturalmente, o primeiro diretor-clínico da casa, morreu, sem que nada o fizesse esperar, em 1913. Era oriundo da Casa da Serzeda, de Águas Santas, formara-se cirurgião pela Escola Médica do Porto em 1877 e residia na vila da Póvoa, onde exercia clínica com tal proficiência que, quando faleceu, o povo chegou a chamar-lhe “santo médico”.
Assim, pronto o edifício, a montagem do espaço clínico viria a ser assumida por João Bastos, diretor-administrativo e sobrinho do fundador, assessorado pelo clínico Dr. Abílio Areias, da Casa de Couço, freguesia de Louredo, também ele médico municipal e já indigitado como responsável.
Para além do Dr. Abílio Areias, que acumulava com a função diretiva a de médico responsável por uma enfermaria, estava também, ao serviço da casa, o Dr. Custódio António da Silva, que se ocupava da outra enfermaria. Era natural da freguesia de Friande, onde nasceu em 15 de Abril de 1897.
Para exercer os serviços de enfermagem, António Lopes chamou um conjunto de cinco irmãs hospitaleiras. Vieram da Galiza, embora fossem naturais de Portugal. Nessa altura e desde a implantação da República, as freiras estavam legalmente impedidas de exercer no nosso país mas, fazendo tábua rasa de tudo isso, o fundador quis entregar a essas religiosas a responsabilidade pelo serviço.
Para além de quatro enfermeiras e de uma madre superior, que era também a chefe de enfermagem, havia uma sexta religiosa contratada como responsável pela cozinha. Era esta freira que se ocupava das ementas dos doentes, sob orientação dos médicos, que estabeleciam as dietas. Estas englobavam quase todo o tipo de alimentos, do leite às carnes verdes e de aves, do bacalhau aos ovos, às frutas e aos doces, passando, pelo consumo de vinho. Como aqui escrevemos em artigo anterior, muitos dos que no hospital encontravam acolhimento, sofriam da pior das doenças, a fome, como se pode ler em algumas fichas de internamento da época, sendo a boa comida, que em casa não tinham, o melhor remédio para os seus problemas de saúde.
Havia ainda o já citado administrador, um chefe dos serviços administrativos, um farmacêutico, um capelão, ajudantes de enfermagem e de cozinha, pessoal de limpeza e um porteiro.
Destes “empregados”, apenas os médicos não tinham ordenado fixo. Recebiam uma percentagem elevada (chegava aos 80%) das consultas que davam no hospital, sendo-lhes também dispensada comida e acomodação, bem como autorização para ali atenderem os seus doentes privados. Todos os outros funcionários eram pagos por fundos disponibilizados mensalmente por António Lopes.
As carnes para a alimentação eram adquiridas nos talhos da Póvoa, havendo lavradores a fornecer leite, ovos e galinhas. O vinho e as frutas eram entregues pelos caseiros do Senhor das Casas Novas, sendo, em determinados períodos, especialmente durante e no pós 1ª Grande Guerra, o arroz, o açúcar e o bacalhau adquiridos em Lisboa pelo fundador e enviados para Braga por caminho-de-ferro, onde posteriormente um carro-de-bois ia busca-los.
Depois da morte de António Lopes, como veremos em artigos seguintes, tudo iria mudar. Os médicos passaram a ser bem pagos, e a administração do hospital executada pelos Provedores que, pelo articulado dos estatutos, passaram a ser seus diretores naturais.
2. CUSTOS DOS SERVIÇOS
É costume dizer-se que António Lopes fez este hospital para os pobres. É verdade que assim foi pois, até então, não existindo no concelho uma unidade de saúde que acolhesse os que nada tinham de seu, padeciam estes, ou morriam mesmo, sem uma assistência regular. Os mais ricos já então podiam deslocar-se a Braga, se necessário fosse, ou pagar a um médico privado se precisassem tratar-se nos domicílios das suas doenças.
Mas era o Hospital um serviço gratuito para toda a gente? Não. Só os verdadeiramente pobres tinham assistência gratuita, dado que os restantes pagavam a sua própria saúde. O sinal foi dado logo no dia da inauguração, quando, assinado pelo chefe de secretaria, Avelino Fernandes, foi publicado no jornal “Maria da Fonte” um edital a avisar que os pobres que pretendessem ser assistidos no hospital, sem nada pagarem, tinham que se fazer acompanhar de um atestado de pobreza passado pelo seu pároco ou pela respetiva junta de paróquia. Os restantes doentes pagavam as consultas, os curativos, os medicamentos, os banhos e até o internamento, possuindo o hospital uma área de quartos privados para estes “hóspedes”. Sendo esta uma terra muito pobre, os pobres gratuitamente assistidos eram em número muito superior aos pobres.
Mas António Lopes era um homem muito inteligente e culto, e mesmo tendo um coração de ouro, sempre cheio de amor para com os mais pobres, não admitia que o explorassem. Este foi, aliás, um apanágio dos “brasileiros” de torna viagem, que no Brasil trabalharam muito para trazerem fortuna: eram solidários ao extremo para com quem fosse efetivamente pobre, mas castigavam sempre que podiam os que deles se queriam aproveitar, isto é, aqueles que se faziam de pobres para poderem contar com apoios gratuitos. Veja-se o testamento de Francisco Antunes de Oliveira Guimarães, da Villa Beatriz de Santo Emilião, ao escrever, em expressão de última vontade, que, anos antes, estivera na disponibilidade de construir um cemitério na sua freguesia, mas que o não fizera por entender que o povo da terra não queria dar qualquer ajuda, estando antes comodamente à espera que ele o fizesse.
Também António Lopes assim procedeu em vida e à hora da morte. Entre outros castigos para com os preguiçosos e os vaidosos que o rodeavam, deserdou, pelo seu testamento, um sobrinho, alegando nada lhe deixar pois, “quem não trabalha, não precisa de qualquer ajuda”. A um outro sobrinho castigou-o ao escrever que a sua parte na herança era o perdão de uma pequena dívida que este tinha para com ele, deixando entender que também as “más contas” o contrariavam. Por isso, o “brasileiro” das Casas Novas só custeava as despesas na doença àqueles que efetivamente eram reconhecidamente pobres.
*Historiador. Coordenador do Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia da Póvoa de Lanhoso
Legenda para as fotos:
Fotos 1,2,3, 4 e 5 – Os médicos Lino António Vieira, Abílio Areias e Custódio Silva, o chefe de secretaria Avelino Fernandes e um dos capelães do Hospital: Pe. João Crisóstomo. Foto 6 – O administrador João Bastos, em 1917, num dos quartos do Hospital António Lopes